Chegamos ao final do
ano e já nos envolvemos com os assuntos do carnaval. Realmente é a nossa mais
evidente vocação.
Um dos primeiros sinais é o anúncio dos concursos carnavalescos promovidos pela Prefeitura do Recife, que se inicia com as músicas e logo em seguida com os Porta-estandartes e Passistas.
Um dos primeiros sinais é o anúncio dos concursos carnavalescos promovidos pela Prefeitura do Recife, que se inicia com as músicas e logo em seguida com os Porta-estandartes e Passistas.
O do Porta-estandarte
acontece antes dos Passistas. Evento sem divulgação, sem pompa, brilho, diferentemente
dos participantes, que se dedicam ao seu ofício e que aos poucos assistem
impotentes a diminuição do interesse por parte do público pela sua arte.
Segundo o mestre Fernando Zacarias, é cada vez mais raro ver um profissional de
qualidade no carnaval, “Hoje existem muitos Carregadores de Estandartes”,
apontando a falta de preparação artística dos novos concorrentes. Na minha
opinião, esta realidade é causa da redução da importância dos símbolos do
carnaval de rua. Alguém se lembra que o Rei Momo agora é Rei Magro?
Não muito distante
desta realidade, está o Concurso de Passistas, um dos mais
tradicionais da cidade, promovidos inicialmente pelos Jornais e Rádios do
Recife em meados do século XX, e há vários anos e organizado pela
Prefeitura do Recife. Faz tempo que esta disputa perdeu a capacidade de
revelar grandes dançarinos e lançar nomes que fiquem na história do frevo.
Vemos atualmente um aglomerado de bailarinos que nada mais têm da
espontaneidade do verdadeiro passo pernambucano. Um espetáculo de sequências
coreográficas repetitivas, que mesmo trocado o participante, parece que o
primeiro ainda está se apresentando. Claro, já pudemos observar alguns lampejos
de qualidade, e esses hoje estão em plena forma, ativos em grupos, solos e
em companhias de relevância do país. São poucos, mas de grande nível.
Vai aqui uma
sugestão. Por que não incluem itens no julgamento como: maior número de
passos realizados, dificuldade de execução e inovação?
Este concurso deveria
ser uma ação incentivadora da criação de novos talentos e da valorização de
profissionais já lapidados pela sua experiência. Quando, por exemplo,
observamos o regulamento deste ano, cremos que isso vai demorar a acontecer.
Prêmios irrisórios, itens de julgamento confusos e categorias que merecem uma
reflexão. Por que o PASSISTA FOLIÃO, aquele que não tem a obrigação de
demonstrar uma maior habilidade com a dança do frevo, recebe um cachê superior
às outras categorias, estando à frente de dançarinos que dedicam mais tempo e
passam às vezes o ano todo treinando seus movimentos? É justo? E quais
critérios servirão para avaliar esta categoria?
Se somarmos todos os
valores dados aos primeiros colocados, percebemos que o total não chega sequer
ao prêmio dado a um compositor do concurso de música. "Ah, os músicos
dedicam muito estudo e esforço para aprimorar sua técnica, eles merecem maior
recompensa”, dizem certos “entendidos”. Concordo, mas o que dizer de jovens que
levam a vida a aprender e aperfeiçoar sua dança, participando de dois ou três grupos
diferentes, estudando técnicas de aprimoramento, muitas vezes obtendo lesões
pelas atividades, sem a garantia do retorno financeiro merecido? Isto não são
estudo e esforço suficientes? Dança é arte menor?
Ora, faz tempo que o
passista por estar ligado a cultura popular é discriminado, sendo mero
acessório de adorno nas apresentações musicais, vistos muitas vezes como
intrusos a invadir o espaço do frevo musical burguês. Deveriam caminhar juntos,
o frevo dança e o frevo música, pois nasceram unidos pela mesma força
motivacional, o carnaval. Por que são vistos por alguns como cultura distinta?
O concurso de
Passistas do Recife, apesar de ser o único encontro oficial da categoria,
poderia receber uma reformulação, impulsionando com isso, entre outras coisas,
o anseio pelo conhecimento dos novos frevos e pela formação e
profissionalização dos dançarinos.
A peleja do Concurso
de Músicas Carnavalescas já conhecemos. Disputa sem muito acirro, divulgação
pífia e resultado desanimador, com promessa de lançamento do CD das campeãs lá
para alguns dias antes do período momesco. Talvez seja este um dos indícios da
nossa música não mais fazer o devido sucesso. Ninguém sabe, ninguém escuta e
como ninguém conhece, quão folião desavisado irá gostar ou perpetuá-lo às novas
gerações? Resultado: um carnaval sem identidade, dependente dos lançamentos
descartáveis de produtores nacionais, descomprometidos com a cultura do povo,
preocupados unicamente com os ganhos, e a transformar, com o beneplácito dos
dirigentes locais, uma festa de cortejos e de participação popular, em folia
estática de palco. Diferentemente de antes, quando éramos referência de festejo
autêntico e terra de exportação de verdadeiras obras musicais.
Os tempos mudaram,
“não somos uma ilha”, como já disseram outro dia. O Recife perdeu a identidade
de ser a Terra do Frevo e do Maracatu. Nos identificamos agora com o Carnaval
Multicultural. Temos que receber o Brasil inteiro aqui - como se isso não
bastasse durante o ano - e aceitar na abertura da festa, que os sons de
tambores e gaivotas transloucadas sejam o anfitrião dos renomados artistas
nacionais.
Agora me digam uma
coisa, algum outro estado da federação convida artista pernambucano para fazer
a abertura do seu carnaval? Seremos nós os paladinos carnavalescos mais
democráticos a dar exemplo ao mundo? Nossos artistas e tradições merecem mais
respeito. Foram eles que construíram lá atrás nossa fama, e podem no futuro,
ampliar a reputação cultural deste valoroso chão.
Não perdi as
esperanças. Por isso frequento alguns focos de resistência e compareço
entusiasmado aos acertos de marcha do Bloco da Saudade e aos desfiles das
agremiações acompanhadas pelas orquestras dos maestros Oséas e Lessa nas
ladeiras de Olinda.
Espero sinceramente que um dia isso mude, se não mudar, desejo que melhore. Evoé!
Espero sinceramente que um dia isso mude, se não mudar, desejo que melhore. Evoé!
Eduardo Araújo