Publicado no DIARIO de PERNAMBUCO em 20 de maio de 2012.
Pesquisador Leonardo Dantas guarda em casa mais de 500 vinis, a maioria de música pernambucana, além de livros de frevo e forró
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Imagem: NANDO CHIAPPETTA/DP/D. |
Abrindo
sobre a mesa de jacarandá um dos livros que editou sobre a história do
Recife, o jornalista e pesquisador Leonardo Dantas aponta para uma foto
do bairro da Torre, na Zona Oeste da cidade. Mostra a Igreja, a casa
espaçosa, uma chaminé. Tudo cercado por mato. A foto é de 1980 e nesses
mais de 30 anos tudo mudou ao redor. A vegetação deu lugar às ruas, à
praça e às casas - que já estão virando passado, substituídas por
edifícios altos. Leonardo Dantas resiste. Mora na mesma casa em que
nasceu, a poucos metros da igreja da Torre. Os cômodos são abarrotados
de quadros, esculturas, móveis antigos e livros. Ele já editou 377
livros, sendo 47 escritos ou organizados por ele. Sete são sobre a
música pernambucana.
Mais conhecido como pesquisador da história
da cidade, Leonardo Dantas tem um currículo extenso em 50 anos de
trabalho. Entrou para o jornal Diário da Noite aos 16 anos, como
revisor. Passou mais de 20 anos nas redações. Foi o criador do Frevança e
do extinto Baile da Saudade, que ocorreu por 18 carnavais no Clube
Português. Dirigiu a editora Massangana e produziu discos para a
Rozenblit. Fez amizades para a vida toda no meio artístico. Claudionor
Germano, de 80 anos, é considerado um irmão. “Quando tive problemas de
saúde, quem estava do meu lado no hospital, às 5h da manhã, era ele”,
conta.
O frevo é sua grande paixão musical. Na juventude, era um
bom passista. Chegou a escrever um livro detalhando o método da dança do
frevo, para ser utilizado em escolas da rede pública. “Fiz um projeto
para retirar o balé das escolas e colocar frevo, maracatu, caboclinho.
Foi uma polêmica”, lembra. Nos móveis em que guarda seus mais de 500 LPs
há preciosidades quase intactas como álbuns de Capiba autografados e um
bom material de música brasileira lançado por empresas de vida curta,
como o selo Marcus Pereira Discos.
Tem LPs dos irmãos Raul e João
Valença, de Levino Ferreira - que foi seu professor de teoria musical e
a quem considera o maior compositor de frevo de rua -, coletâneas de
cultura popular e o primeiro disco com gravações ao vivo de frevo, feito
em 1980 no Teatro de Santa Isabel. Entre os inúmeros livros, uma cópia
de O sanfoneiro do Riacho da Brígida, de Sinval Sá, com dedicatória “ao
bom amigo-conterrâneo Leonardo Silva”, assinada por Luiz Gonzaga. (Ele
deixou de assinar “Leonardo Silva” quando um criminoso como esse nome
apareceu nos jornais).
Apesar do amor ao frevo e à música,
Leonardo Dantas não toca nenhum instrumento. “Eu estudava com Levino
Ferreira e aí ele disse que eu tinha que comprar um piano. Eu disse que
não podia, ele retrucou que comprasse pelo menos um clarinete. Fui à
loja e falei ao meu pai o preço de três contos e quinhentos. Ele
respondeu: ‘isso é quanto teu pai ganha em um mês!’”. No final da tarde
da quarta passada, Leonardo recebeu o Diario em casa para uma conversa.
Foram quase três horas que correram fácil, em meio a lembranças e
projeções. O carnaval foi tema constante. Confira. (Carolina Santos)
Centenário de Luiz Gonzaga
Concordo
com todas as homenagens ao seu centenário. Tudo que fizerem por ele é
merecido. Acho que falta mais pesquisa sobre a obra e a vida de Luiz
Gonzaga. O livro da francesa Dominique Dreyfuss (Vida de Viajante,
editora 34) foi construído a partir de vários depoimentos dele, mas não
aborda a discografia. Os pesquisadores estrangeiros vêm atrás de
documentos, mas eu acho que ainda está faltando uma biografia completa
para Gonzaga. Você pega o livro de José Mário Austregésilo (Luiz
Gonzaga, o homem, sua terra e sua luta, editora da Fundação de Cultura
Cidade do Recife) e tem letras erradas. Luiz Gonzaga merece tudo, mas
foi perseguido por ser considerado de direita. E por ser de direita, foi
soterrado. Quem levantou Luiz Gonzaga foi Carlos Imperial ao inventar o
boato, na década de 1970, de que os Beatles iam gravar Asa branca.
Luiz Gonzaga, o homem
Conheci
Luiz Gonzaga nas redações, nas rádios. Ele era um cara que não
imaginava o valor que tinha. Era um imediatista. Não estava interessado
no futuro, mas em ganhar o dinheirinho dele naquele momento. Agora esse
dinheirinho era em cima de um caminhão, na esquina, em qualquer lugar.
Era um sujeito autêntico e muito bom. Sempre incentivou quem vinha
atrás. Marinês, Zé Calixto, Dominguinhos, Quinteto Violado, todo mundo é
cria dele. A casa dele no Rio de Janeiro era uma hospedaria. Acompanhei
o início do romance dele com Edelzuíta. Ela trabalhava numa firma de
empréstimo perto do Diario. Gonzaga era apaixonado por ela. Foi um amor
de velhice. Me lembro da briga de Helena com Luiz Bandeira. Bandeira fez
Fulô da marvilha quando estava começando o caso de Gonzaga com
Edelzuíta e Helena dizia que Bandeira tinha feito a música de encomenda
de Gonzaga para Edelzuíta.
Parceria com Capiba
Gonzaga
dava o mote e o compositor fazia a música e depois ele assinava em
parceria. Gonzaga diz que Zédantas já chegou no hotel dele cantando umas
músicas. Então já tinha melodia e letra! Ele colocou o nome na parceria
com a música pronta. Já Capiba fez Engenho Massangana e Gonzaga queria
assinar também, para gravar. Capiba, vaidoso do jeito que era, não
aceitou.
Política cultural
Quem
vem depois faz o possível para acabar o que você fez e fazer outra
coisa. Eu digo que a primeira coisa que um chefe faz é mudar a arrumação
dos móveis e colocar uma placa dizendo que foi ele quem arrumou. Não há
continuidade nas políticas de cultura. Do que eu fiz, a oficina de
luteria, que poderia estar com pessoas formadas para consertar
instrumentos, não existe. O projeto Espiral foi extinto também - a
Orquestra Cidadã é uma reedição dele. Não existe programa editorial na
prefeitura. O que a prefeitura publicou? O que o estado publicou? Nada,
nada.
Carnaval de palco
É
uma desgraça, acabou o carnaval. Eu resolveria aquilo ali de uma forma
simples. Transformaria o Marco Zero em grande baile. Com dois palcos,
mais baixos - para que aquele palco tão alto? - um na ponta e outro na
outra e as atrações se cruzavando. A música não parava. Porque se passa
1h40 para assistir uma Maria Gadú que não sabe nada. Ou uma “Zefa do
Pifo”, Zeca Baleiro… o que esse povo canta de carnaval? Você podia pegar
esse povo todo e diluir durante o ano. Tinha festa o ano todo. E no
carnaval colocava os ritmos carnavalescos. Esse ano colocaram uma
orquestra local para abrir cada dia e elas é que esquentavam, depois era
aquela monotonia…
Frevo moderno
Se
eles fazem um frevo para dançar, tudo bem. Mas se eles querem fazer
demonstração de jazz, não dá. Tem até músicas de Chico Science que o
povo vem abaixo. Mas quando você faz variações como aquele show de
Lenine (na abertura do carnaval de 2011, em homenagem às mulheres), não
leva a nada. Fica um olhando pra lá, outro pro palco. Um grupinho que
curte canta aquelas músicas, o resto fica só olhando. Mas você coloca um
Duda, um Ademir Araujó, ou o próprio maestro Forró, e o Marco Zero vem
abaixo. O carnaval sempre foi multicultural. Já no século 19 tinha
maracatu, frevo, todas as diferentes manifestações, inclusive de etnia.
Não é novidade nenhuma, apenas deram esse nome bonitinho, feito em
agência. Todas essas atrações já vêm num pacotinho pronto para cá. Essa
história de homenagear as mulheres já veio pronta. Eu não vejo a cultura
só para homem, para mulher, para gay. Vejo cultura como uma coisa só.
Diversidade
Você
não vê uma orquestra de frevo tocando no São João. Isso nunca aconteceu
porque carnaval é carnaval, São João é São João. Agora, “dona Zefa do
pife” tem que tocar no carnaval e no São João porque é multicultural!
Alguém está ganhando comissão. As orquestras e agremiações que
desfilaram no carnaval ainda não foram pagas. Algumas estão esperando
até o dinheiro do São João passado. Abanadores do Arruda e Coqueirinhos
de Beberibe ainda não receberam.