ARTIGO
Passadas as festividades
de meio de ano, começamos a nos inteirar dos assuntos referentes ao período
mais esperado por foliões e amantes do passo pernambucano: o
carnaval. E a nossa cidade tem um aspecto singular e ainda mais especial, é a
detentora e responsável por uma dança e uma música feitas particularmente para
a grande ocasião.
Agremiações escolhem seus temas, buscam recursos, grupos dão
início aos ensaios, escolas inscrevem novos alunos e cursos brotam espalhados pela cidade com oficinas e projetos culturais do ritmo.
Nos seus mais de cem
anos de formação, o frevo se consolidou não só como uma manifestação cíclica
voltada para o carnaval, mas, sobretudo, se transformou numa identidade cultural
representativa de um povo, condensadas em conquistas alimentadas por rebeldias,
sofrimentos, alegrias, e na garra de gente que tem correndo nas veias mais do
que sangue, coragem!
Seu nome alcançou
diversos lugares e territórios, e hoje podemos afirmar que o frevo é uma
expressão artística surpreendente, em constante transformação e difundida no
mundo todo, graças a artistas que são verdadeiros embaixadores da arte pernambucana
fora do Brasil. Destaco dois em especial, que há anos estando na Europa expandem
de forma maravilhosa e com profissionalismo admirável o nosso frevo. São eles: o
Adriano Rocha, mais conhecido pela denominação de Teco, e Carlos Frevo, com sua
Locomotiva que arrasta uma legião de adeptos e apaixonados do ritmo.
Com toda sua história,
é difícil acreditar que um componente cultural extremamente rico e monopolizado por
diversas esferas do poder público como símbolo maior do lugar, possa sofrer
tantas atribulações e dificuldades para continuar existindo. O frevo e seus
fazedores não padecem ainda mais, porque deles sobressaem abnegados - muitas
vezes chamados de loucos - que fazem de tudo para pôr em prática sua
brincadeira, mesmo que lhes custe os poucos recursos disponíveis.
Os obstáculos são tão
constrangedores que é preciso às vezes uma campanha para alguns grupos
conseguirem apoio. E o ato de mendigar ajuda, chega ao ponto de coisas
meramente essenciais, e o que poderia ser elementar para alcançar, transforma-se
em
um verdadeiro martírio. Sem mencionar outras instituições que vêm carregando há
anos seus fardos pesados de incertezas e de dias melhores. Muitas,
infelizmente, surgem com os dias contados para extinguir-se.
Por que tantos
empecilhos no trato com a nossa cultura? E quais melhorias e benefícios teve
o Frevo
em
se tornar Patrimônio Imaterial?
Fazendo uma comparação
com as manifestações de outros Estados, e claro, respeitando suas
características e dinâmicas próprias, percebemos do que é nosso vai perdendo
cada vez mais de sua hegemonia histórica. No carnaval do Rio de Janeiro, por
exemplo, com suas Escolas de Samba grandiosas e atributos exclusivos,
não diminuiu em nada seu esplendor durante os anos. E mesmo passando por dramas
recentes como incêndios que afetaram os barracões de algumas agremiações, não
sofreu qualquer redução de sua estrutura e das verbas disponibilizadas para
o evento. Pelo contrário, intensificaram não só o apoio das que foram
danificadas, mas, também, ao conjunto das escolas que participam dos grupos
Especial e de Acesso. Sem falar no retorno triunfante do carnaval de rua de lá,
que a cada ano transforma-se em um fenômeno de crescimento e de participação
popular.
O entendimento neste
caso sempre foi o de fortalecer os que fazem a festa, sendo importante o incentivo
para que sua grandiosidade gere resultados aos olhos do público, e,
principalmente, produza renda aos integrantes e impostos ao governo. O saldo é
uma folia exibida no mundo todo, valorizada, e com seus administradores
satisfeitos por mais um ano de realização.
Passando pela Bahia,
vemos que o seu festejo particular com trios elétricos fica mais pulsante ano a
ano, e é um orgulho do seu povo e dos artistas, que citam o desenvolvimento do
seu carnaval por meio de uma política eficiente de suporte aos que fazem a
festa, e de incentivos dados às empresas que patrocinam o evento. Não entro no
mérito se é uma folia feita através de cordão de isolamento e tal, pois,
exigiria mais tempo aqui para desenvolver o assunto. Porém, uma coisa não podemos
negar, o número de participação é incontestável.
Outro modelo de
festividade que é um exemplo de exuberância, é o Festival Folclórico de Parintins na Amazônia. Tradição levada
a sério, com a devida veneração à cultura popular, transformando a natureza
rica daquele lugar em temas exibidos efusivamente em arena pública. Até os
patrocinadores mudam as cores de suas marcas para se adequarem respeitosamente
aos Bois Caprichoso e Garantido. Claro, há uma jogada de marketing nisso, com a
nítida intenção de comercializar produtos tanto para uma torcida quanto para
outra. Contudo, a ação não interfere no fenômeno espantoso de popularidade que
a cada ano aumenta.
No nosso caso, e segundo
algumas informações noticiosas, o Recife não perde em nada quando comparamos as
atrações e festejos de outros estados, principalmente porque trazemos de lá, os
mesmos artistas vistos nesses mesmos locais. Quando
as pessoas viajam e vão conhecer outros lugares, suas festas e comemorações,
esperam encontrar autênticas manifestações e a cultura rica do seu povo. Aqui,
quando nos visitam, encontram as mesmas apresentações que eles encontrariam em
seus próprios lugares de origem. Pode ser até uma programação multicultural,
mas, faz tempo que não acrescenta em nada de nossa legítima tradição.
Quem comparece ao Marco
Zero, vê uma multidão espremida para assistir as grandes atrações nacionais,
pagas pontualmente com recursos vultosos, enquanto os artistas e grupos locais,
além de implorar para receber seus míseros cachês em oito ou dez meses depois
da festa, testemunham o completo descaso que é dado ao conjunto de nossas
corporações carnavalescas.
Por outro lado, a
imagem vendida ao público é proporcionalmente inversa a realidade, e quem
acompanha os meandros culturais da terra, não concorda com isso, e se
assusta com o desaparecimento de troças, clubes e blocos. Muitos deles
tradicionalíssimos, e os que ainda sobrevivem, habituaram-se a um cortejo de
passarela realizada altas horas da noite, sem repercussão e sem apresentar o
mesmo brilho e empolgação de anos passados. Alguns se tornam parasitas, se
vendendo a políticos para continuar sobrevivendo. Sem contar que a história carnavalesca por
vezes é tão violentada, que as poucas agremiações que saem às ruas, e
as novas que hoje nascem, estão modificando-se estruturalmente e perdendo sua
denominação de costume. Tudo vira bloco, bloco disso, bloco daquilo,
esquecendo-se que os verdadeiros blocos do nosso carnaval são os líricos, sem ter
nenhuma semelhança com o termo pejorativo em moda.
Muitas dessas
aberrações vão tirando o pouco do que resta de nossa emblemática festa. As
orquestras estão sendo substituídas por carros de som e mini trios; os
Porta-estandartes trocados por meros carregadores; as fantasias e os temas
alegóricos se resumem agora a um simples e grosseiro abadá, e mesmo assim, para
serem confeccionados, inserem tantas marcas de patrocínio, que parecem mais uma
vestimenta de piloto de Fórmula 1.
Mas isso não importa! O
que nossos dirigentes querem é realizar ações direcionadas apenas para chamar a
atenção dos grandes palcos principais e fazer-nos esquecer de onde poderia
haver um maior investimento. Enquanto isso, os grupos, artistas e agremiações
que residem em bairros afastados do grande show,
ao mesmo tempo que padecem para continuar sobrevivendo, permanecem sendo ainda focos
legítimos de resistência da tradicional e real festa popular pernambucana.
Viva o Frevo!
Eduardo Araújo