Por Leonardo Dantas Silva
O lança-perfume foi a grande
invenção do Carnaval Brasileiro. Surgido em 1906 no Rio de Janeiro, logo
veio dar uma aura toda especial às festas de momo de norte e sul deste
imenso país do carnaval. Apareceu com grande publicidade, sendo
distribuído em três apresentações – dez, trinta e sessenta gramas, pela
Casa Davi do Rio de Janeiro. Fabricadas pela Rodo Suíça, aquelas
ampolas de cloreto de etila, especialmente perfumadas, perfumaram os
nossos carnavais até 1961, quando tiveram a sua produção proibida por
decreto do presidente Jânio da Silva Quadros.
Em 1911 eram consumidas no
Brasil 300 libras do produto e só a Rodo-Suíça para aqui exportara a
elevada quantia de 4.500 contos de réis! Tal mercado veio a despertar a
atenção daquela empresa, que logo enviou ao Brasil um seu representante,
sr. J. A. Perretin, a fim de assistir às festas do carnaval do Rio de
Janeiro daquele ano. Em entrevista à Gazeta de Notícias,
transcrita parcialmente por Eneida, o sr. Perretin declarou: “Um povo
que faz um carnaval como este é o povo mais alegre do mundo”.
Denominava-se de lança-perfume a
bisnaga metálica ou de vidro, para uso nos festejos carnavalescos que,
carregada de éter perfumado e à base de ar comprimido, lança seu
conteúdo a relativa distância quando destampada.
A novidade caiu no gosto dos
foliões brasileiros. O mercado consumidor crescia a cada ano, motivando o
aparecimento de novas marcas – Geyser, Nice, Meu coração, Pierrot, Colombina,
etc. -, algumas delas assinadas pelos célebres perfumistas Lubin e
Pinaud. Até o Recife veio dispor de uma fábrica de lança-perfumes,
Indústria e Comércio Miranda Souza S.A., localizada na Rua da Aurora,
responsável pela produção das marcas Royal e Paris.
Um inconveniente, porém,
acompanhava o produto e era causa de constantes acidentes entre os seus
usuários: os recipientes que continham o éter perfumado sob pressão eram
de vidro. Em 1927, objetivando sanar tal deficiência, a Rodo lançou no
mercado o seu lança-perfume metálico. Apresentado em invólucros de
alumínio dourado, o novo produto recebeu a marca Rodouro, o que não
impediu que se continuasse a produzir com preços inferiores
lança-perfumes em recipientes de vidro. Naquele ano o consumo do produto
atingia, segundo a imprensa carioca, a casa das 40 toneladas e no
Recife, anos depois, as suas virtudes eram assim anunciadas: Um
perfume suave eu espalho, / Sou distinto, perfeito, não falho. / Sou
metal e no chão não estouro. / Sou o lança-perfume Rodouro.
O que era brinquedo romântico,
inofensivo e barato, passou a ter outra destinação. Segundo denúncia da
imprensa carioca, no carnaval de 1928, o conteúdo do lança-perfume
passou a ter objetivos outros: “… o éter fantasiado de lança-perfume é
sorvido com escândalo pelo carnaval. No vício legalizado, o Brasil
consome quarenta toneladas do terrível entorpecente. Essa quantidade de
anestesia daria para abastecer todos os hospitais do mundo”.
No Recife, o hábito de aspirar lança-perfume já aparece no romance de Mário Sette, Seu Candinho da Farmácia,
lançado em 1933 pela Editora Nacional, que assim comenta na boca de um
dos personagens: “O cheiro de éter perfumado misturado ao cheiro das
mulheres fazia rodar a gente…”
Nas eleições presidenciais de
1960, o sr. Jânio da Silva Quadros vem vencer com uma imensa maioria de
votos o general Henrique Teixeira Lott, assumindo o cargo de supremo
mandatário da República do Brasil, em 31 de janeiro do ano seguinte. No
seu conturbado mandato de 206 dias, Jânio inaugura o sistema de
governar através dos chamados “bilhetinhos”, tendo emitido 1.534 deles,
versando sobre os mais diversos assuntos. Preocupado com o saneamento
moral do país, legislou sobre trajes de misses, brigas de galo, sessões
de hipnotismo e, como não poderia deixar de acontecer, veio proibir “a
fabricação, o comércio e o uso do lança-perfume no território nacional”,
através do Decreto n º 51.211, de 18 de agosto de 1961, cujos efeitos
atingem os festejos carnavalescos até os nossos dias.
A sua proibição, porém, deixou
saudades em todos os foliões que dele faziam uso de maneira romântica,
como forma de aproximação ou de convívio, na alegria do carnaval,
enchendo de perfume e povoando com a sua aura inesquecível as nossas
ruas e salões.
Como no Cordão da Saideira, frevo composto por Edu Lobo:
“Hoje não tem dança
não tem mais menina de trança
nem cheiro de lança no ar
Hoje não tem frevo
Tem gente que passa com medo
Na praça ninguém pra cantar…”.