OPINIÃO
Nunca
devemos esmorecer na defesa daquilo que acreditamos e nem deixar que "interesses menores" desvirtuem os propósitos éticos e basilares da nossa
atuação na cultura popular. Fundamentado nisso, vez ou outra volto a
compartilhar um texto de minha autoria que versa sobre a intenção de
alguns visionários do passo em querer transformar superficialmente meros
instrutores de dança em “mestres” do frevo. Já menciono este assunto nas redes
sociais há mais de cinco anos, e o tema sempre volta à tona pela intercedência
dos seus maiores interessados.
Quem
de fato pode ser chamado atualmente de "mestre" na cultura popular? Qual
o grau de representatividade que deve conter essa expressão nos dias de hoje? Claro,
hoje em dia, o negócio está tão banal que podemos apelidar qualquer pessoa de
qualquer coisa e até daquilo que ela não é. Muita gente acredita e entra na
onda.
Quem
tem a estrutura profissional e merecedora para carregar tal denominação? Os
professores de oficinas de dança? Os que têm mais 40 anos de idade? Os que dão
aulas há mais de 10 anos nos seus grupos? Ou aqueles que por algum tempo
subiram e desceram as ladeiras nos carnavais de Olinda e Recife? Mestre, só por
isso?
Se a
maestria for concedida a indivíduos de qualidades tão genéricas, não teríamos apenas
um mestre em cada esquina, como relato no artigo citado anteriormente (e que está disponível aqui), mas, dezenas, centenas
e até milhares. Na prática, qual grande contribuição será proporcionada ao
frevo com este ato? Quem vai ganhar com isso? Ah, já sei, o negócio é ganhar, e
que se dane o frevo.
Desconfio
do que está por trás dessa bobagem. Na verdade, muita vaidade está em jogo. Ou
quem sabe ainda, a intenção seja a de melhorar o currículo, possibilitando uma
guinada nas finanças, ou até mesmo, de tornar-se uma
celebridade entre os seus colegas.
Só
falta agora criar o Curso Supletivo de Mestres do Frevo. Uma graduação que pode
ser oferecida em tempo recorde e com pouca ou nenhuma experiencia no ramo. Vão ser
fabricados mestres em grande escala como robôs montados numa indústria. O procedimento
pode encurtar o caminho para ajudar a alcançar a tão sonhada visibilidade artística.
E observem
que existem pessoas ambiciosas que até se aproveitam para obter status de importância apenas participando
de algumas oficinas de dança, imagine agora com o CURSO SUPLETIVO DE
MESTRES. Seria uma grande oportunidade pra eles.
Suspeito
daqueles que forjam seus nomes em meio a tanta insignificância e carência cultural.
E isso, muitas vezes, se aproveitando da opinião frágil e completamente ausente de uma comunidade
artística indiferente às intenções de "inovadores" interesseiros.
E por
favor, sem essa de promessa de benefícios para os passistas e da conquista de
mais espaço profissional para a classe. Puro engodo.
A
observância para referendar um verdadeiro mestre da cultura popular deveria ser
pautada pela trajetória de resistência e luta em favor do passo, com atuações e pensamentos voltados especialmente para a
valorização do ritmo, e não por interesses pessoais. Tendo o aspirante ao
título, uma atuação marcada notadamente pelo talento inquestionável e pelas ações
significativas na formação de passistas, discípulos, multiplicadores, na
criação de técnicas, metodologias, na influência de outros profissionais e do estímulo
na formação de grupos, escolas e projetos de dança durante uma vida inteira.
Alguém
pode dizer: "Ahh deixa isso pra lá, dá muito trabalho fazer todas essas
coisas. Hoje não é como antigamente, estamos na era digital e das celebridades
vazias e instantâneas. É preciso acelerar esse processo porque o mundo está
girando cada vez mais rápido e necessitamos nos destacar diante dos nossos iguais.
”
Talvez
alguém possa dizer ainda: “Vamos fazer o seguinte, já que enfrentamos a
relutância de alguns bobões de plantão, começaremos a chamar os nossos colegas
de "mestres", e eles, retribuirão chamando-nos igualmente como tal.
Com isso, veremos que em pouco tempo o povo vai acabar aceitando os novos
mestres pela desesperada insistência. Quem sabe os nossos amigos da imprensa, possam
também, começar a propagar a transloucada metamorfose cultural, publicando
reportagens sobre o curso de SUPLETIVO DE MESTRES. Aí estaremos feitos e
consagrados. E aqueles que ficaram reclamando e metendo o pau, vão permanecer
nas suas vidinhas sem graça e sem sal, defendendo o passado, sem dinheiro, e
exaltando apenas um Mestre maior. Enquanto isso, vamos nos beneficiar extraindo
o máximo possível do título, passando por cima daqueles que não tiveram o
direito da “merecida homenagem”, e cobrando um cachê mais alto pelas aulas,
oficinas e apresentações. “Me diga quem vai duvidar da gente? Quem, hoje, ao se
iniciar no passo sabe ou tem
interesse de saber quem é, ou não, um mestre do frevo? Todo professor é um
mestre certo? ” Errado!
Que
prejuízo terão as legitimas representações icônicas da cultura tradicional com
esse ato de nivelar por baixo o valor dos mestres populares? E volto a
salientar, isso tudo acontece em detrimento àquilo que alguns mais desejam: notoriedade
e dinheiro.
Eles podem
até dizer também: “Somos artistas consagrados! Ministramos aulas há anos na
cidade e quem é doido de contestar?! ” Quem é fulano ou ciclano para propor o
contrário e querer mandar no carnaval de Pernambuco? ”
Cabe a
mim questionar... E a história do frevo? A ética profissional? A identidade
cultural? O Legado dos verdadeiros mestres? A Memória do povo? Tudo isso será
jogado no lixo?
“Ahhh
meu bem, isso é coisa ultrapassada.... De agora em diante seremos lembrados para
a eternidade como os autênticos propagadores da modernidade do frevo, enquanto
os defensores do passado, serão taxados como os eternos chatos e contestadores
da história do ritmo. ”
Pois
bem, sugiro a leitura atenta do texto “Um mestre em cada esquina” e proponho que
continuemos o debate mesmo discordando do autor. Porém, não podemos aceitar a implantação de tamanha sandice e nem vamos deixar o assunto esmorecer. A luta só está
começando...