OPINIÃO
Concordo
em parte, isso seria ético, se houvesse a referência ao trabalho em questão,
quando a inspiração é explicitada ao grupo, quando de alguma forma, o grupo é
citado, quando é respeitada sua propriedade intelectual e artística. Os
elementos que constituem a origem e desenvolvimento do passo e da música do frevo estão aí para serem pesquisados, e todos
vão encontrar os mesmos subsídios, a
diferença é que nós fomos os primeiros a trazer isso para o universo cênico,
para o ambiente do espetáculo, sem desvirtuar da essência da rua que foi e é o
nascedouro do ritmo. Nossa fala não está em querer ser os “donos do
verdadeiro frevo”, como disseram, nossa fala é por respeito ao nosso trabalho.
A história do frevo, digamos, é de domínio público, mas o formato cênico que os
Guerreiros do Passo apresentam há mais de uma década é criação nossa, fruto de
muita pesquisa, mergulho em livros, filmes antigos, conversa com foliões tradicionais,
jornais de época, fotografias e tudo o que pudéssemos cascavilhar para termos
hoje um trabalho autoral, autêntico e original.
“O
Frevo”, espetáculo gerado nas entranhas dos Guerreiros do Passo, executado há
mais de uma década, repito, é simples, sem ser simplório, é fácil de explicar,
sem ser superficial, é gostoso de ver e participar, porque é verdadeiro e
representa o povo humilde, feio, pé no chão, sujo e suado, o monstro popular,
como diz Rita de Cássia Araújo Barbosa, em seu livro Festas: Máscaras do Tempo, pois sua beleza monstruosa é justamente
o que as políticas de embranquecimento e higienização querem longe dos palcos
da cidade, especialmente no carnaval. E aí há uma dualidade: querem o
empurra-empurra, mas não querem os Guerreiros, afinal, pensam eles, não somos
uma ilha, e o que temos que mostrar ao mundo é o politicamente e esteticamente
perfeito, a maquiagem da qual nossa província sempre foi refém. Por isso, para
a Prefeitura do Recife, é vergonhoso mostrar os Guerreiros do Passo e sua
“desordem”, “seus passos sujos”, “sua gente do povo”, “o resquício de Nascimento”
... Eles preferem “limpar os movimentos”, “alongar os passos”, “convocar
artistas de verdade”, “renovar”, “deixa Nascimento pra lá”, é a higienização em
sua mais nítida e escancarada forma de atuação: um grupo popular não pode estar
num palco, lá é o lugar dos artistas... Esquecem eles que o frevo nasceu dessa
gente humilde, irreverente, trabalhadora e subversiva. Nossos passistas passam
por um trabalho de imersão na história do frevo, fotos, vídeos, debates horas a
fio para se embeberem do que chamamos de características da época, corpos e pensamentos
moldados a uma estética quase visceral, alí, aquele empurra-empurra é puro
passaporte no tempo, aqueles braços e pernas disformes, aqueles passos
descompassados, desencontrados e ousados são pura conexão com um tempo que não
vivemos, mas parece que estávamos lá... Isso não quer dizer que o nosso frevo é
o “verdadeiro frevo”, como foi mencionado por alguém, quer dizer somente que o
nosso frevo é o nosso frevo, não
dançamos para provar nada a ninguém, nem para abrir carnaval de ninguém, nem
para sermos melhores que ninguém, nem para estar em palco A, B ou C, até porque
nossa história é na rua, nosso compromisso é com o frevo que aprendemos a fazer
com o Mestre Nascimento do Passo e que queremos perpetuar... Aqui não está em
jogo abrir carnaval de canto nenhum, até porque há muito tempo deixamos de
mendigar os cachês irrisórios pagos pela prefeitura, o que está em discussão é
o plágio programado, descarado e desrespeitoso conosco e com nossa história.
Todos os setores da cena teatral e de dança hoje na Cidade do Recife conhece
nosso trabalho, seria mais ético por parte da PCR e dos envolvidos prestar um
esclarecimento, não só ao grupo, como também ao grande público de alunos,
amantes e admiradores que nos segue, afinal PCR, eles são eleitores também,
talvez assim vocês entendam.
A
ideia da cópia/imitação/plágio não é uma homenagem!!! Tudo seria mais simples,
se houvesse clareza, vejamos: um grupo de artistas da cidade convidado pela
prefeitura para participar da abertura do carnaval do Recife, entra em contato
com os Guerreiros, se debruçando sobre nós para trocar experiências e fazer
suas reelaborações artísticas, alguém sairia ferido desse contato??? Acredito
que não, pois as coisas estariam acontecendo às claras. Ao contrário do que se
propaga, somos abertos a parcerias sim, quando elas são justas para ambos os
lados, ok? Só lembrando... Porém, quando os procedimentos são feitos de maneira
escusa, na surdina, no intuito de “peitar”, de tirar onda, incitando o ódio com
palavras de ordem contra o grupo, chamando-nos de “grupinho” nas redes sociais,
isso é qualquer coisa, menos homenagem ou inspiração. Como se pede paz atirando
pedras??? “Não à Guerra do Passo” é um trocadilho infame que incita o ódio, e
nós é quem somos da guerra???
Se
perdeu em suas palavras, meu caro. Vivemos em guerra sim, mas nossa guerra é
pelo bem do Frevo, não por briguinhas pessoais e estrelismos tacanhos, nossa
estrela maior é o frevo, e deveria ser por ele a guerra de todos, por
iniciativas públicas de valorização ao ritmo, por melhores cachês em trabalhos
durante o carnaval e no concurso de passo, por visibilidade ao trabalho dos
passistas e professores em suas comunidades, grupos e escolas, pela
implementação de aulas de frevo (dança e música) nas escolas das redes
municipal e estadual, o que abriria um campo de atuação imenso para que os
passistas pudessem atuar e viver de sua arte, sem estar se estapeando por
títulos de maestria em editais públicos e passageiros que não sedimentam ações
políticas para o frevo, apenas favorecimentos pessoais e momentâneos, perpetuando
a cultura do “caranguejo na lata” como foi dito. Nossa guerra e militância está
em ouvir, dançar, apreciar, divulgar o frevo durante o ano todo, abrir espaço
nas rádios e TV’s para sua execução, entre tantas outras ações que poderíamos
estar pleiteando ao invés de está buscando atingir de maneira baixa a reputação
um do outro.
Lucélia
Albuquerque