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MEMÓRIA DE UM MESTRE CORRE RISCO DE DESAPARECER

ARTIGO
Um assunto recentemente vem chamando a atenção dos Guerreiros do Passo e, imagino, deva também inquietar a todos que amam a cultura pernambucana e de alguma forma querem preservá-la para a posteridade. Fui procurado há alguns dias pela viúva do famoso passista Francisco do Nascimento Filho, o nosso Nascimento do Passo, a qual me indagou sobre a possibilidade dos Guerreiros se engajarem na tentativa de salvar o acervo cultural do mestre, acervo este que está se deteriorando pelo seu inadequado acondicionamento.
Gecilandi, a ex-esposa, mostrou-se apreensiva por ver este material no estado em que se encontra, e com toda razão, está solicitando apoio para salvaguardá-lo.
Ela mencionou ainda, que logo depois do falecimento do Mestre, parte desse material foi deixado à disposição para que algumas pessoas próximas pudessem recuperá-lo - o que considerei um risco - e mesmo assim, uma grande parte ainda está necessitando de cuidados. Este acervo, registrado em fotos, troféus, figurinos e em diversas fitas VHS, inclusive, diplomas que o Mestre recebeu pelos títulos de cidadão recifense e pernambucano, corre o risco de desaparecer em pouco tempo se nada for feito, o que é um absurdo para a história e para a memória carnavalesca do nosso povo.

Sabe-se que o Mestre não foi um homem de posses, e teve, inclusive, muitas dificuldades no final de sua vida, fato que culminou numa campanha que realizamos para arrecadar donativos na época, visto o precário estado em que se encontrava. Sendo assim, sua família, igualmente, não tem condições para preservar este material, o que penso, poderá ser feito por instituições especializadas e com experiência nesse ofício.

O pessoal da Casa do Carnaval, órgão da Prefeitura do Recife, já está a par do assunto há algum tempo e nada fez, e acho que não o fará. Eles até iniciaram uma pequena limpeza em alguns objetos, mas, logo depois, pediram que os responsáveis os levassem e que procurassem uma produtora para fazer um projeto, e de alguma forma tentassem concorrer aos editais.

Revela-se aqui o descaso e a dificuldade em buscar mecanismos oficiais para preservar o legado deste artista, concorrendo com atitudes de governantes que desrespeitam e desprezam o passado do maior responsável pela divulgação da mais importante manifestação popular de Pernambuco.

Sabemos que a gestão que atualmente comanda nossa cidade preferiu há algum tempo adotar uma postura de total esquecimento da figura do Mestre Nascimento, esforçando-se em valorizar filhos de outros passistas, que estão sendo usados como organismos de desvirtuação e de uma política depreciativa contra um legitimo artista popular.

Participei do 1ª Encontro do Plano Integrado de Salvaguarda do Frevo, e na oportunidade em que foi possível mencionar o nome de Nascimento no local, a atitude foi contestada veementemente por um representante da prefeitura. Para dar um exemplo, apresentou-se uma sugestão de modificação do nome da Escola Municipal de Frevo, propondo mudar para Escola de Frevo Egídio Bezerra, o que discordei imediatamente.

Este fato a meu ver, é um pequeno exemplo do descaso com o verdadeiro idealizador da Escola, que teve uma luta intensa para a sua criação e divulgação. Egídio, este outro mestre e Rei do Passo, merece também muitas homenagens, mas, no caso da Escola de Frevo, o bom senso nos diz que seria prudente inserir o nome do Mestre Nascimento, e não de outra pessoa.

Hoje, o frevo é sinônimo de festa espetacular e de motivo de diversas análises e pesquisas. Do mesmo modo, quando assistimos os grupos e artistas que arrecadam fundos consideráveis em editais públicos para construir suas coreografias e montagens “conceituais”, nada ou pouco é feito pela lembrança do mestre. Posso afirmar com toda certeza que grande parte disso tudo que está ai, foi possível graças às ações que Nascimento empreendeu na sua vida e de sua dedicação para tirar a dança do frevo da discriminação e da impopularidade nas décadas de 70 e 80 do século XX. E o que fizeram com sua história? O que acontece na verdade, é a punição que alguns hipócritas impuseram a este artista amazonense, que fez mais do que muitos que nasceram aqui, e que além de tentar destruir sua imagem, ao contrário dele, não representam absolutamente nada para o frevo.

Nós (Guerreiros do Passo), de alguma forma estamos fazendo o possível para preservar, na prática, um dos principais legados do mestre: o seu Método de Ensino, e, embora achemos isso relevante, a preservação desses registros passou a ser agora mais uma missão que teremos que enfrentar.

Desta forma, observando a inércia dos poderes locais, iniciamos os contatos e conversas com representantes de entidades públicas federais, no intuito de agilizar os procedimentos e realizar parcerias que conduza-nos o quanto antes para a conservação deste material.

No futuro, desejamos que a história narre, através do acervo recuperado e de seus verdadeiros discípulos, a obra e a vida de uma das maiores e mais importantes expressões da dança, do frevo e da cultura popular brasileira. Salve o Mestre Nascimento do Passo!

Eduardo Araújo

3 comentários:

  1. Eduardo, meu caro Guerreiro do Passo:
    Esta sua luta pela restauração do acervo do Mestre Nascimento do Passo é uma bandeira que tem que ser levantada por todos os pernambucanos, mesmo os que -como o Mestre- não nasceram aqui mas têm por Pernambuco o amor que têm por seu berço natal. O que a Prefeitura tem feito contra a memória de Nascimento é algo escandaloso. Mas a "política" (assim, com "p" pequeno mesmo, que ali grassa é de fazer corar um frade de pedra. O que não é novidade para quem faz de lutas partidárias o seu único motor de vida, para quem pratica doutrinas que têm no ódio e na vingança pessoal o único objetivo, para que tem como espelho um modelo de doutrinação que na ânsia de apagar a própria História, chega ao extremo de apagar de uma fotografia um dos esteios da sua doutrina. Eles sabem do que estou falando. Isso tudo me envergonha. Abaixo a hipocrisia e a mentira. Viva o Mestre Nascimento do Passo, amazonense mais pernambucano do que estes que comandam a nossa cultura!

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  2. Maria Goretti Rocha de Oliveira29 de setembro de 2013 às 10:35

    Eduardo,faço minha as suas palavras, e a sua luta é nossa. Realmente, não podemos valorizar ou pensar em salvaguardar o frevo e o passo ignorando os artistas que os criaram e os que continuam tocando, criando e dançando e mantendo viva a tradição. Diferentemente da música do frevo, a história dos dançarinos de frevo vive num anonimato quase que absoluto. Muitos poucos nomes foram registrados na história do passo pernambucano. Haja vista que um livro como Danças Populares como espetáculo público no Recife de 1970 a 1988 publicado 20 anos atrás ainda é citada nos trabalhos acadêmicos atualmente... Entre os três raros passistas que saíram do anonimato (Egídio Bezerra, Coruja e Nascimento) não resta dúvida de que foi Nascimento quem primeiro criou um método de ensino do passo, quem primeiro sistematizou a técnica desta dança tão rica. Se foi justo em determinada circunstância histórica conceder a Egídio o título de Rei do Passo, Francisco do Nascimento Filho merece ser tratado com o Pioneiro Mestre do Passo, por ter trabalhado incessantemente e mantido acesa a chama do passo mesmo em décadas em que havia um total esquecimento do frevo, e muitos até previam a sua extinção. Foi nascimento quem ensinou a arte de fazer o passo aos primeiros dançarinos dos dois primeiros grupos de dança profissionais de Recife, O Balé Popular e o Grupo Folclórico Cleonice Veras, na década de oitenta. Grupos estes que tiveram importante papel na propagação da arte de fazer o passo. Em suma, o importante papel desempenhado pelo Mestre Nascimento na história do Passo equivale ao de Marta Graham na história da Dança Moderna. Vou ver se encontro um artigo que escrevi sobre isso há cerca de uma década atrás... para, quem sabe, você postar no seu blog. Goretti Rocha

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  3. Será um prazer Maria Goretti. Obrigado pela sua valiosa contribuição no assunto.

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