Nos sábados 22 e 29, e nos
domingos 23 e 30 de novembro o Laboratório do Passo aconteceu com ações no
bairro do Hipódromo.
Os Guerreiros do Passo
apresentam o resultado de mais uma etapa de suas pesquisas realizadas com o
Laboratório do Passo, projeto incentivado pelo Governo do Estado através do
FUNCULTURA, que acontece mensalmente no bairro do Hipódromo, Recife. Dois finais de semana
com atividades de pesquisas e capacitação em conserto e montagem de sombrinhas
de frevo. Disponibilizamos a partir de agora, o
relatório final dos trabalhos dessa fase do projeto que culminou no passo do Cortando Jaca.
Sobre o
movimento do Cortando Jaca ou Corta-Jaca, os estudos conseguiram uma verdadeira
preciosidade em termos de dança do frevo. Inteiramente desconhecido pelos
dançarinos na atualidade, o passo significou um achado histórico. Intrigante o
fato de que mesmo existindo algumas referências bibliográficas, não foi
possível identificar os motivos pelos quais o movimento tornou-se completamente
desconhecido pelos foliões de hoje. Além das citações encontradas em livros e
na internet, os Guerreiros se valeram também das imagens de um filme produzido
na década de 1952, que dentre suas cenas, exibe num trecho, personagens dançarinos
desenvolvendo o ritmo do frevo, onde podemos identificar o aludido movimento. O
filme deu a possibilidade de arrematar os estudos com relação ao movimento em
questão, fechando um quebra-cabeça delicado que apresentou uma jóia em formato
de passo, integrado agora ao vasto
repertório coreográfico do frevo. Em muitas referências observamos que o termo
Corta-Jaca é análogo a outros movimentos e passos existentes em ritmos
brasileiros, como o samba e o maxixe, por exemplo. Ora ele é apresentado como uma dança, ora como um movimento específico e isolado existente dentro de uma dança.
De acordo com o Dicionário da
MPB, em link disponibilizado na internet, o passo denominado Corta-Jaca ou
Cortando Jaca é uma,
Dança brasileira para
se dançar só, que tem como característica os movimentos dos pés sempre muito
juntos e a não flexão dos joelhos. Os movimentos de pés dão a impressão de uma
faca cortando uma jaca. Apesar de parecer estar deslizando, pode-se perceber o
sapateado, que costuma marcar a melodia juntamente com o ponteio das violas.
Exige destreza do dançarino por ser de andamento rápido. Os braços do dançarino
não têm uma função específica no corta-jaca, ajudando apenas a manter o
equilíbrio de quem está dançando. É dança toda baseada no movimento dos pés.
O livro Cantata para o Brasil e
Psicologia do Brasileiro de Jacob Pinheiro e Ricardo Paes Barreto, define o
passo como “uma dança ginástica, sapateada, individual como os frevos do
Recife”, corroborando com a ideia de que o passo é realizado de forma energética
e rápida. Segundo o Dicionário do Frevo, “o passista pula, abrindo e fechando as
pernas, enquanto acompanha o ritmo da música executada pela fanfarra”, essa referência leva a entender que o
movimento sai do chão, porém, não encontramos nos registros visuais algo
semelhante, podendo-se configurar ou como uma variante do passo, ou mesmo a
interpretação dada pelo autor que o descreveu. Porém, foi na descrição do Dicionário das Manifestações Folclóricas de Pernambuco, de Yaracylda
Farias Coimet, que começamos a nos aproximar da execução do movimento. Nesta
obra, a autora menciona que o Cortando Jaca, assemelha-se a um movimento da
dança clássica. Segundo ela, o Cortando Jaca é um “Passo do frevo que parece com o da dança clássica, “chassé”, o que
sugere o vai-e-vem do cortar jaca (o fruto) com os pés”.
Na Dança Clássica a definição do “chassé”, diz que “é um passo no qual um pé lateralmente caça o outro para fora da sua
posição”. Em outra
definição, o chassé é descrito como “um passo deslizado. A perna
desliza para fora; colocando o peso na perna de trabalho e tirando a outra
perna para andar junto a ele. Um pé literalmente persegue o outro em um
gracioso lateralmente galope como passo”. Nas pesquisas em vídeo na internet, conseguimos as
pistas para montar o Cortando Jaca. Descobrimos que o chassé é o deslocamento de uma posição
para a outra na dança clássica, e que o movimento é remetido ao “vai-e-vem do
cortar a jaca com os pés”, fazia menção a um movimento parecido com a 3ª
posição do balé.
Mas foi
a partir do filme O Canto do Mar,
direção de Alberto Cavalcanti, produção de 1952, com duração de 01h23m58s,
é que chegamos mais próximo de identificar o movimento. O filme exibe a partir dos 17m30s, o trecho
alusivo ao passo em questão. Com a devida atenção, observa-se no final da
cena, ao lado direito da tela, um personagem executando o Cortando Jaca. Este
filme está disponível na internet, no site do Youtube.
A partir de então, diante das
descrições acima e em consenso com a equipe de trabalho da pesquisa, assim como nos exercícios de experimentação e análises realizados com os dados
encontrados, concluímos que o Cortando
Jaca ou Corta-Jaca, é um movimento
onde o passista utiliza os dois pés em paralelo no chão e, se apoiando no
metatarso, põe os pés virados para fora, um na frente do outro, o calcanhar do pé da
frente fica na metade do pé de trás, chegando bem próximo ao que seria a 3ª
posição do balé, depois é só ir alternando ora o direito, ora o esquerdo à
frente. Os
braços são colocados à frente em paralelo ao chão e utilizados como ajuda para
a suspensão do corpo e os ombros cumprem a função de auxiliar com a cadência do
passo. Esse é o desenho do movimento, onde o seu grau de dificuldade está mais
na coordenação motora do passista, do que na força ou explosão corporais.
Identificamos também que o Cortando Jaca ou Corta-Jaca é um movimento acelerado, lembrando a cadência do passo Patinando no Gelo, Pisando em Brasa ou ferrolho-ferrolhando,
por exemplo, cabendo ao passista incorporá-lo nos andamentos mais céleres da
música, podendo também compassá-lo um pouco mais, aí fica a critério do
passista no seu diálogo com o frevo.
Percebemos ainda que alguns princípios
do passo Cortando Jaca ou Corta-Jaca se assemelham a alguns movimentos
do Cavalo-Marinho, principalmente a um dos passos da figura da “Velha” ou do “Capitão”,
justamente pelas relações entre o deslizar dos pés em diálogo com joelhos e as
sucessivas trocas e cruzamentos. Vamos encontrar igualmente danças urbanas modernas
com movimentos bastante análogos ao passo em questão, mas sem nenhuma
identificação de hibridismo consciente dos seus autores.
Em outra sequência da pesquisa, o movimento foi trabalhado
tendo em vista as possíveis aproximações com outros movimentos do frevo, ou
seja, sua família. Dessa forma, identificamos o mesmo dentro da Família dos
Cruzados, e estudamos os passos que pedem, possibilitam ou estimulam sua
execução.
Dado o grau de complexidade e possibilidades que o Cortando Jaca
exige, o passo, assim como os outros pesquisados pela equipe de professores do grupo, serão constantemente objeto de estudo e execução nos Laboratórios posteriores e nas aulas do Projeto Frevo na Praça. Finalizamos mais uma fase do projeto, e neste etapa agradecemos a professora Lucélia Albuquerque que foi fundamental nos estudos de corpo, concedendo seu talento para a realização do Cortando Jaca, e também, ao pesquisador e compositor Samuel Valente, que nos auxiliou na pesquisa disponibilizando um livro do seu acervo.
Encerrando as
atividades deste mês, registramos igualmente as Oficinas de Conserto de
Sombrinhas de Frevo, realizada na sede do grupo, na Rua Francisco Berenguer,
60, no mesmo bairro do Hipódromo. Professores e participantes da Praça fizeram
a manutenção do material de aula do grupo, se capacitaram no oficio e ainda ajudaram a
preservar a natureza, evitando que objetos plásticos e metais pudessem ser jogados no
meio ambiente.